quinta-feira, junho 28

da forja




















A ideia de liberdade é uma forja.
Pode moldar, sem a facilidade da forma.
Liberta e transforma, como se de alquimia se tratasse.
Pelo fogo.

... em eco, distinto




















Acho que nunca questionei o meu corpo em termos de identidade sexual. Questionei-o por todos os motivos, mas não em termos de identidade. Odiei-o de todas as formas e feitios, mas nunca pensei que podia ter antes outras formas e feitios. Como nunca questionei sequer a minha personalidade. Não gostava particularmente dela, era difícil, mas nunca pus em causa que fosse a minha. Como nunca questionei as opções de outros, nem as suas dúvidas, as suas questões com os corpos e as identidades. Ou sequer me pareceu alguma vez estranho que corpos e identidades andassem de mãos dadas, mas não fossem mutuamente exclusivos. E, sim, deve-me ter passado alguma coisa ao lado.
Só pode ter-me passado qualquer coisa ao lado.
Hipatia, aqui

Com um leve sorriso, penso na quantidade de coisas que não me passaram ao lado mas que fiz com que passassem.
E nas que realmente passaram ao largo.
Partilho, com ela, a aversão do contágio ou da impregnação por valores ou ideias que não são realmente minhas. Nem conformes ao que penso.

As pessoas valem porque são pessoas.
O seu valor está para além de milhentas coisas, entre as quais o corpo, a orientação sexual, a cor dos olhos ou da pele, o sítio onde nasceram ou a cor da roupa que usam, o mérito ou o demérito dos seus.
E cada um tem o direito essencial de gerir a sua vida.
De se procurar no corpo que é.
De ser e ter um corpo.
De ser quem se procura ser.
Ou de tornar-se, melhor dizendo.

Não se confunda essencial com acessório.
E não se encha a vida com o que não vale, que se corre o risco de ela passar na mesma.


Flash





















Disse-me que uma tarde, olhou para si - como se fosse a primeira vez, que os olhos não levavam nada no olhar. Uma mirada crua, um relanceio despido de entendimento, de quem nada espera. Não ficou triste, não chorou. Faltava-lhe o ânimo para se apiedar.

Contou-me devagar, entre golos de uma bebida amarga, que nem revolta havia, só um desalento do tamanho da tarde. Nenhum vento se ouvia, nem fazia bater janelas. Nenhuma tempestade assolava a moradia abandonada.

Apeteceu-lhe sair e não levar chave nem mapa. Abrir a porta e deixá-la aberta. Largar o dia, e deixá-lo inerte na beira da estrada. Caminhar embalada no vento.

Faço-lhe companhia nesta tarde, não no olhar mas no abandono. Por momentos, sintonizo o meu passo com o dela, e deixo o vento embalar-nos. Atrás do rosto, dentro, em si.

(Woman face, Johfra)

o meu elemento será...



Your Element Is Fire


Your passion and emotion are as obvious as the brightest flame.

You make sparks fly, and your passion always has the potential to burst out.

You are exciting and creative - and completely unpredictable.

You sometimes exercise control, and sometimes you let yourself go.

Friends describe you as sensitive, spirited, and compulsive.

Bright and blazing with intensity, you seem mysterious and moody to many.

Fico aqui
















Não, não está a chover - está um lindo dia lá fora.
O que não consegues entender é que vejas chover a cântaros, quando olhas pela janela.
E dizes de um dia baço, chuvoso, frio.
E eu sei que está um lindo dia lá fora.
Ou poderia estar.
O que não percebes é que esteja frio, e eu o diga dia de céu azul e sol.
Ou poderá estar... o que não está é o dia que dizes, como dizes.


Fico aqui, antes de sair para o teu mundo.
Antes de ser o dia.
Antes de ser verdade que chove a cântaros e faz frio.

Fico aqui, antes dos funerais.
Há sempre um, pelo menos, por dia.
Do gesto que não deu certo, da promessa quebrada, das coisas mal-resolvidas que atravacam a passagem. Das coisas que morrem, a cada dia.

Fico aqui, onde o céu está azul, o sol brilha e posso ignorar o som dos pingues nos guarda-chuvas.
Há sempre um, pelo menos, à mão de abrir.
Mas hei-de ir a pé, sem ele. Que faz sol e está um céu azul, de morrer de espanto.

quarta-feira, junho 27

Orquídea(s)


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Asparagales, família Orchidaceae, crescem procurando a luz.
Possuem muitas e variadas formas e cores, o que, per si, pode seriamente desafiar o conceito de espécie.

Com características próprias e demarcadas, cruzam-se de geração em geração, numa combinação quase infinita de novas formas e cores.
Por isso, nem há sequer um consenso do que seria exatamente uma espécie de orquídea.
Julgo que não o deixam de ser por isso...

O que pode fazer interrogar, em labirínticos espelhos,
o que os outros julgam que se é
o que se é, em si mesmo, ou ainda
o que se julga ser,
o que se julga que os outros julgam ser,
o que se julga que os outros julgam do que se é...

terça-feira, junho 26

navegação flaneur (ad infinitum...)

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corpo como um barco, aberto ao estado do mar e exposto às estrelas

barco como uma ideia da vida, galgando ondas ou fundeando em baía solarenga

ideia da vida como norte, guia de uma direcção mais ou menos escolhida

norte como sentido, de uma rota que também se faz para sul

sentido como significado, impulso de Graal ou trampolim de trapézio

significado como teia, de labirintos e espelhos sempre recolocados

teia como caminho, que se constrói enquanto se tece ou se caminha

caminho como trajectória, desvelando-se e velando-se nos trajectos

trajectória como voo...

... ad infinitum, ou, pelo menos, tanto quanto durar a inspiração, a vontade ou a vida.

segunda-feira, junho 25

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a cada planalto, sucede-se outro,
interrompidos num breve espaço de inspiração profunda
e eivados de uma solene determinação de prosseguir

quando a altitude faz arquejar
pensa-se que o ar rarefeito é o acompanhante necessário:
sem ele nenhuma festa de gala tem glamour...

sexta-feira, junho 22

natural(mente)




















(Jean Dubuffet, Monument au fantôme)

Fantasmas costumam alinhar com demónios.
Interiores.
Vestidos de roupas antigas ou da passada saison.
E brigam pelo mesmo armário, que o espaço é pouco...

De vez em quando, um deles sai aos trambolhões, e atira-se para cima do quotidiano.
Estatela-se e surpreende os transeuntes.
Como quem nem viu, pego-lhe pelos colarinhos e atiro-o de volta.
Ao armário.

Às vezes, calha de ser difícil, que é quase do meu tamanho...

geo-graphia im-possivel


















Em caso de falhar a audácia, não é de prosseguir.
Roda-se nos calcanhares, encolhem-se os ombros, erguem-se as sobrancelhas e deixa-se de pensar no assunto.

Caso se queira ou se sinta a batida do arrojo, é de seguir.
Virar à direita para Agra, onde o amor erigiu marca indefectível. Passar ao largo de Tiro e de Nicósia, acenar a Minos, dobrar à esquerda para aquela que foi anunciada como Delenda est. Cartago seja. Nos jardins de Aníbal.

Vale a sério não ter hesitado na animação mercantil de Khan el-Khalili ou nas estátuas perfiladas de Tebas. E prosseguir a viagem, em atávica busca.
Como quem demanda Ítaca.

Descer, resistir ao brilho das minas do Sábio Rei. Ouvir o canto do oceano na gruta onde Adamastor se lamenta. Subir devagar, das ruínas de Wina Wayna, para franquear a Porta do Sol e aceder à idade Perdida. E subir sempre, para tiritar de frio em Skraeling, sob o vento frio do Arktu, urso que arreganha a alma.
E prosseguir.

Em busca da rota que se acreditava ser, ainda que possa desvelar-se bruxuleante miragem
Prossigo.
Que as possibilidades desta geografia impossível e ardente são infindáveis.
Incomensuráveis. Impercrustáveis.

Existem, quer as veja, quer não.
Mas vejo. Desenho. Crio, para me inventar.

Chego aos portões, dou as boas-noites ao Principe Valente e entro em Avalon quando a lua nasce.

... e a paráfrase prossegue...













começou com um passo,


A meu favor

Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio
algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer
A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.

(Alexandre O'Neill)

---------

de parafraseio...


A meu favor...

tenho o vento que ruma para sul
olhares recheados que o tempo mantem
palavras ternas, de tom indelével;
tenho a ira e a indignação
a capacidade de se incendiar
florestas sombrias de clareiras solarengas
aqui e agora,

como ali e depois
tenho a meu favor
a teimosia persistente em não se deixar vencer
a deliberada rota de viagens em si
a cartografia dos afectos
do amor e da zanga, do riso e da raiva
dos voos e quedas,
do acto falhado transformado em ganho.

a meu favor
o favor de mim

(Esvoaçante)

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seguiu de paráfrase em paráfrase...

A meu favor
tenho o sótão cheio de memórias
o jardim do imaginário prenhe
das aventuras que hão-de vir,
tenho mil prateleiras a abarrotar
com os livros que vou ler
e outras tantas vazias
à espera dos que vou escrever;
tenho uma barcaça
no cais da esperança
e a água mansa e queda
à espera que me faça ao mar.

A meu favor
tenho o tempo
que me resta...
até a morte chegar

Maria

e cresceu, prosseguindo

A meu favor
tenho a existência dos selos
pela qual posso influenciar a minha.
Não me saem do pensamento
os selos que nunca vi
e aqueles que estão sempre à minha frente.
E os novos, flor da vida que tenho.
A meu favor
reflectem-me as cartas que entrego
o mais puro contacto entre sombras
que, em harmonia, se iluminam.

O cheiro da tinta, folha e envelope
e da cola de cada selo
é o balsamo dos portos
que dão rumo ao céu dos sonhos.
A meu favor
e a favor dos que vierem comigo.

Carteiro

quinta-feira, junho 21

(in)serenidade






















E se quisesse não ver o que de estranheza se avista no olhar dos outros?
se decidisse que a regularidade dos actos é uma forma de loucura?

pode ser que o ponto onde me fujo seja aquele em que me alcanço?
pode ser que a trajectória de cada dia se assinale nos traçadores do esquecimento?

quando atravesso as ruas, com o sinal fechado ao verde, o vermelho brilha, irisdicente!
quando me interrogo, a serenidade instala-se e espraia-se sem respeito por margens.

traz-me o crepúsculo e dá-lhe de beber no teu riso...

o pequeno sismo













Há um pequeno sismo em qualquer parte
ao dizeres o meu nome.
Elevas-me à altura da tua boca
lentamente
para não me desfolhares.
Tremo como se tivera
quinze anos e toda a terra
fosse leve.
Ó indizível primavera.

Eugénio de Andrade

interrogativo















conseguem assinalar-se diferenças?

foto

paráfrase de paráfrase.... e em paráfrase...












A meu favor

Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio
algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer
A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.

(Alexandre O'Neill)

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de parafraseio... (em "Voo de Dédalo")

A meu favor...

tenho o vento que ruma para sul
olhares recheados que o tempo mantem
palavras ternas, de tom indelével;
tenho a ira e a indignação
a capacidade de se incendiar
florestas sombrias de clareiras solarengas
aqui e agora,

como ali e depois
tenho a meu favor
a teimosia persistente em não se deixar vencer
a deliberada rota de viagens em si
a cartografia dos afectos
do amor e da zanga, do riso e da raiva
dos voos e quedas,
do acto falhado transformado em ganho.

a meu favor
o favor de mim

(Esvoaçante)

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de paráfrase em paráfrase...

A meu favor
tenho o sótão cheio de memórias
o jardim do imaginário prenhe
das aventuras que hão-de vir,
tenho mil prateleiras a abarrotar
com os livros que vou ler
e outras tantas vazias
à espera dos que vou escrever;
tenho uma barcaça
no cais da esperança
e a água mansa e queda
à espera que me faça ao mar.

A meu favor
tenho o tempo
que me resta...
até a morte chegar

Maria

quarta-feira, junho 20
















É sabido que o vooo da borboleta é belo e efémero.
Com o toque da precaridade da vida.

E quando poisa, brevemente, parando o voo, por curto que seja o trajecto, cumpre finalidade.
Com o toque das contingências.

Relança-se, num voo retomado e sempre novo, adejante e frágil.
Com o riso dos afectos.

parafrasear












A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer
A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.

Alexandre O'Neill

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de parafraseio...

A meu favor...
tenho o vento que ruma para sul
olhares recheados que o tempo mantem
palavras ternas, de tom indelével;
tenho a ira e a indignação
a capacidade de se incendiar
florestas sombrias de clareiras solarengas

aqui e agora, como ali e depois
tenho a meu favor
a teimosia persistente em não se deixar vencer
a deliberada rota de viagens em si
a cartografia dos afectos
do amor e da zanga, do riso e da raiva
dos voos e quedas,
do acto falhado transformado em ganho.

a meu favor
o favor de mim

sábado, junho 16

difuso
















Difusos ficam os contornos do oceano e do céu na linha de horizonte, o sítio onde se encontram e se fundem.
A terra marca-se e demarca-se, pelo mar que se estatela nos penhascos, pela espuma que salpicante esvoaça, pela escultura das rochas.
E tem vezes em que as nuvens parecem mais seguras, mais hábeis numa singela flexibilidade volátil.

Gosto de ver à distância e ao longe. E de ir chegando perto, como quem vê mal e se abeira para se certificar. Ou como quem se crê na mediação das distâncias, em que o longe e o perto, como o ausente e o presente, se tornam difusos.

(foto de Hrg)

sexta-feira, junho 15

















1.
Sê tu a palavra,
branca rosa brava.

2.
Só o desejo é matinal.

3.
Poupar o coração
é permitir à morte
coroar-se de alegria.

4.
Morre
de ter ousado
na água amar o fogo.

5.
Beber-te a sede e partir
- eu sou de tão longe.

6.
Da chama à espada
o caminho é solitário.

7.
Que me quereis,
se me não dais
o que é tão meu?

Eugénio de Andrade

quarta-feira, junho 13

metáforas



Pequenos detalhes no meio do verde...
minúsculas extremidades enroladas, pouco visíveis ao olho nú, evocam coisas que não sobressaem, não se exibem, não se relevam... a não ser que alguém, ao vê-las, as faça ser.
e então, só então, assumem contornos de elevada visibilidade e de primordial senso do belo...

aconchego



sábado, junho 9

The Winds of Fate




















One ship drives east and another drives west
With the selfsame winds that blow.
'Tis the set of the sails
And not the gales
Which tells us the way to go.

Like the winds of the sea are the ways of fate,
As we voyage along through life:
'Tis the set of the soul
That decides its goal,
And not the calm or the strife.

Ella Wheeler Wilcox

No princípio...














Dédalo, o famoso escultor e arquitecto da antiguidade, foi encarregado pelo rei Minos de construir, em Creta, o labirinto que havia de ficar célebre para (e por) aprisionar o Minotauro. Depois da vitória de Teseu e pela sua cumplicidade na história, ficou encerrado no interior do labirinto, na companhia do seu filho Ícaro, o que o levou, desde logo, a começar a pensar numa maneira de se libertar.

Como é habitual nas histórias mitológicas, há diferentes versões para a fuga: poderá ter sido a reconstituição de memória da estrutura do labirinto que lhe terá permitido encontrar a saída ou poderá ter passado por uma saída aérea através da criação de asas para si e para o filho.
O que é certo é que, ou numa fase mais precoce ou em tempo posterior, Dédalo descobre que pode voar.
Voo de Dédalo, seja. Esvoaçante, a assinatura.