Não, não está a chover - está um lindo dia lá fora.
O que não consegues entender é que vejas chover a cântaros, quando olhas pela janela.
E dizes de um dia baço, chuvoso, frio.
E eu sei que está um lindo dia lá fora.
Ou poderia estar.
O que não percebes é que esteja frio, e eu o diga dia de céu azul e sol.
Ou poderá estar... o que não está é o dia que dizes, como dizes.
Fico aqui, antes de sair para o teu mundo.
Antes de ser o dia.
Antes de ser verdade que chove a cântaros e faz frio.
Fico aqui, antes dos funerais.
Há sempre um, pelo menos, por dia.
Do gesto que não deu certo, da promessa quebrada, das coisas mal-resolvidas que atravacam a passagem. Das coisas que morrem, a cada dia.
Fico aqui, onde o céu está azul, o sol brilha e posso ignorar o som dos pingues nos guarda-chuvas.
Há sempre um, pelo menos, à mão de abrir.
Mas hei-de ir a pé, sem ele. Que faz sol e está um céu azul, de morrer de espanto.
2 comentários:
Que força de personalidade transmite este "fico aqui"!
Qualquer um outro, daqueles que constatam que chove a cântaros, perante tal firmeza não poderá senão render-se a esta convicção de que "o céu está azul".
Destaco, porque me impressionou particularmente no texto, estes dois versos:
"Fico aqui, antes dos funerais.
Há sempre um, pelo menos, por dia".
Um beijo, amiga. (Já te disse que escreves cada vez melhor??? - se possível fosse...!)
Não, Maria, nem sempre se rende (risos). Nem me rendo eu à impossibilidade ocasional de que quem vê chover, se emocione com o potencial de céu azul...
E não há?! chamemos-lhe outra coisa, como «desilusão», «perda», «desapontamento». Mas é, simbolicamente, funeral.
Um beijo (pela leitura dos implícitos e pelo elogio... assim o merecesse! risos... é que parece que saltam as palavras, e eu gosto delas...)
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