"Se alguma coisa há que esta vida tem para nós, e, salvo a mesma vida, tenhamos que agradecer aos Deuses, é o dom de nos desconhecermos: de nos desconhecermos a nós mesmos e de nos desconhecermos uns aos outros...
A alma humana é um abismo obscuro e viscoso, um poço que se não usa na superfície do mundo. Ninguém se amaria a si mesmo se deveras se conhecesse, e assim, não havendo a vaidade, que é o sangue da vida espiritual, morreríamos na alma de anemia. Ninguém conhece outro, e ainda bem que o não conhece, e, se o conhecesse, conheceria nele, ainda que mãe, mulher ou filho, o íntimo, metafísico inimigo. Entendemo-nos porque nos ignoramos..."
Fernando Pessoa
Livro do Desassossego
Percebo-o mas não consigo partilhar o entendimento satisfeito, pelo dom de se desconhecer.
O que não discorda de entender que não nos conheçamos realmente, que nos surpreendemos conosco e com as coisas errantes que nos habitam.
Todavia, esta constatação não desprimora do talento de se re-conhecer.
Mesmo em tons sombrios, ou sobretudo neles.
Particularmente quando apetecia ser mais isto ou menos aquilo.
6 comentários:
Viva a descoberta!
Kaffa
Não sei bem se o consigo perceber. Talvez muitos se odeiem mais do que na verdade odiariam caso se conhecessem.
Gostei muito de ler o teu ponto de vista, já que concordo de todo com esse re-conhecimento nos tons sombrios.
Naturalmente, Kaffa... mesmo que des-coberta ou des-velada velando-se.
:)
Talvez se envergonhem, ou se pensem envergonhar de si.
E nos tons sombrios é quando vale mais a pena, diria, tanto para os explorar como para se reconhecer neles.
beijos, Senhor dos Selos.
Talvez se envergonhem mesmo...
Afinal, as sombras dão outra perspectiva da forma original. Ora, o reconhecimento bem pode não ser linear, e nada nos diz que as novas formas provocadas pelas luzes ténues não sejam mais adequadas que as originais.
Nem mais... não só «nada nos diz» como até é bem possível que diga o contrário. E que o ténue, meio sombrio, seja mais significante. Ou mais portador de sentido.
Beijos, PostMan.
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